Lesões meniscais

Lesões meniscais

O que é o menisco?

Os meniscos são estruturas fibrocartilaginosas em formato de semi-lua situadas entre o osso da coxa (fêmur) e o osso principal da perna (tíbia), firmemente aderidos a este último. Ajudam, entre outras coisas, a melhorar a congruência articular, além de atuar na absorção de impactos que atravessam a articulação do joelho.

Quantos meniscos nós temos?

Possuímos 2 meniscos em cada joelho. Um na parte interna, chamado de menisco medial, que absorve cerca de 50% da carga transmitida através deste compartimento, e outro na parte externa, chamado de menisco lateral, que absorve até 70% da carga transmitida através do respectivo compartimento.

Qual a função dos meniscos?

Antigamente pensava-se que os meniscos eram “simplesmente” amortecedores dos joelhos. No entanto, esta ideia é equivocada. Cada vez mais estudos comprovam outras funções relacionadas aos meniscos tão ou mais importantes que a função de absorção de impactos. Além disso, os meniscos têm papel importante na estabilidade da articulação (por isso lesão de menisco também pode evoluir com queixa de instabilidade), propriocepção, lubrificação e nutrição da cartilagem articular.

Como acontece a lesão do menisco?

Existem vários padrões de lesão meniscal e certamente cada um deles está mais relacionado a um determinado mecanismo de trauma, mas, de um modo em geral, em tecidos previamente sadios, a lesão acontece durante uma entorse do joelho, no qual a força exercida entre o fêmur e a tíbia supera a capacidade do menisco em absorver a energia. Outro mecanismo de lesão muito relatado é a hiper-flexão do joelho.

A lesão do menisco pode curar espontaneamente?

Certamente algumas lesões meniscais são passíveis de cicatrização sem intervenção cirúrgica. Em geral, lesões isoladas (sem outras lesões que gerem instabilidade), pequenas,  localizadas nas regiões mais bem vascularizadas dos meniscos (chamadas de zona periférica ou vermelha-vermelha), têm potencial de cicatrização mesmo sem cirurgia.

Como saber se é preciso operar o menisco?

Para esta resposta, o ideal é consultar um especialista em joelho. Existem diversos parâmetros que devem ser colocados em discussão para se optar pela cirurgia ou não. Mesmo optando pela cirurgia, ainda existem as opções de sutura ou meniscectomia parcial (retirada do tecido lesionado). Cada conduta com “prós” e “contras” que devem ser explicadas pelo seu médico. Durante seu fellowship nos Estados Unidos, o dr. Serra Cruz realizou treinamento com diversas técnicas de sutura meniscal, possuindo uma vasta experiência neste tipo de lesão. 

Como é a cirurgia para tratar uma lesão de menisco?

Conforme mencionado previamente, existem diversas abordagens. Pensando em cirurgia preservadora de menisco, o que se realiza é a sutura meniscal. A sutura do menisco envolve a passagem de fios ultra-resistentes através do tecido meniscal e da cápsula articular a fim de ancorá-los em seus locais nativos, aguardando pela cicatrização das bordas suturadas. Existem algumas técnicas e variações que estão pormenorizadas no texto a seguir.

Quando se opta pela meniscectomia, a ideia é retirar o tecido lesionado, mas ainda assim tentando preservar o máximo de tecido sadio possível. São utilizadas pinças artroscópicas (feitas para serem utilizadas em cirurgias por vídeo) que permitem este tipo de abordagem.

Tipos de lesão meniscal

De um modo em geral, qualquer traço de descontinuidade no menisco é considerado uma lesão meniscal. Este traço pode ocorrer em um ou mais planos (ex. horizontal, vertical, oblíqua ou complexa). Além disso, as lesões mais recentemente “descobertas”, são as lesões em rampa (ramp lesion) e as lesões da raiz meniscal (descritas a seguir), que não envolvem necessariamente um traço no corpo do menisco. As lesões meniscais são divididas em três áreas (vermelha-vermelha, vermelha-branca e branca-branca) de acordo com a vascularização da região acometida. Como os vasos sanguíneos que penetram o menisco seguem da periferia para o centro, quanto mais periféricas as lesões, mais bem vascularizadas elas são, o que favorece a cicatrização. Quanto mais centrais (ex. zona branca-branca), menos vascularizadas e, portanto, menor a chance de cicatrização.

- Lesão meniscal longitudinal

É a lesão que ocorre no plano vertical acompanhando a trajetória circunferencial do menisco. É um dos tipos de lesão mais comuns e mais passíveis de sutura com bons resultados.

- Lesão meniscal em “alça de balde”

É um tipo específico de lesão longitudinal que se estende por um comprimento suficiente para que o tecido lesionado se destaque na sua porção central, mas permanecendo fixo nas suas extremidades, podendo levantar-se de maneira semelhante a uma “alça de balde”. Este tipo de lesão pode ser causa de uma emergência ortopédica, quando a “alça” se interpõe no centro do joelho (região conhecida como intercôndilo), bloqueando a articulação. Quando isto acontece, além da dor, o paciente não é capaz de realizar a extensão completa do joelho, caracterizando o joelho bloqueado. Existem manobras que podem ser realizadas para se tentar a redução (retorno ao lugar original) de maneira fechada. No entanto, não é incomum estes casos serem resolvidos com uma cirurgia de emergência. Mesmo quando a alça é reduzida de maneira fechada, há indicação nesses casos de tratamento cirúrgico definitivo.

- Lesão meniscal horizontal

É um tipo de lesão que acontece como se o menisco houvesse sido “fatiado”, no plano horizontal, como o nome sugere. Em especial este tipo de lesão pode dar origem ao chamado cisto parameniscal, que acontece quando o líquido sinovial passa através do menisco, até a região da cápsula articular e pode se tornar aprisionado, gerando o aumento de volume local. Também é um tipo de lesão passível de sutura. Neste caso é extremamente importante “fechar” a lesão para evitar o mecanismo de formação do cisto descrito acima.

- Flap meniscal

Ocorre quando uma parte do menisco faz um traço oblíquo que se estende até a zona branca (zona mais central). No caso de lesões pequenas deste tipo, pode se realizar a meniscectomia parcial. Lesões maiores, principalmente que se estendam até a periferia do menisco se comportam como uma lesão longitudinal, sendo passíveis de sutura.

- Lesão radial

É um tipo de lesão vertical que corta o menisco em um eixo perpendicular ao eixo de suas fibras circunferenciais. Este tipo de lesão é grave pois, quando completa, equivale biomecanicamente a uma meniscectomia, uma vez que o menisco precisa da integridade de suas fibras circunferências para atuar na função de absorção de cargas. Seu tratamento cirúrgico em geral requer a ancoragem do menisco na cápsula além do fechamento da lesão com pontos que aproximem as bordas da lesão. Isto pode ser obtido através de pontos em “x”, associados a pontos de ancoragem na cápsula, através de uma montagem tipo “vergalhão” ou ainda através de túneis transósseos, ancorando as duas extremidades da lesão na tíbia.

- Lesão meniscal complexa

Uma lesão meniscal é chamada de complexa quando mistura mais de um plano. Exatamente devido a esta característica, muitas vezes não é completamente passível de sutura, pois é necessário que o tecido meniscal apresente um bom ponto de ancoragem para os fios transpassados. Quando ocorre lesão em mais de um plano, dificilmente existe um bom ponto de ancoragem para as suturas, sendo eventualmente necessário algum grau de meniscectomia nestes casos. No entanto, mesmo na lesão complexa, caso seja possível identificar um plano principal, pode-se tentar sutura-lo e salvar ao menos parte do tecido, removendo apenas o tecido que for inviável.

Lesões meniscais “especiais”

O Dr. Serra Cruz se dedicou bastante ao estudo destas lesões, tendo publicado artigos, capítulo de livro e sendo convidado a ministrar aulas e palestras sobre o tema. Estas lesões não são “novas” de fato, mas a identificação delas não era realizada até pouco tempo atrás, tanto pela dificuldade do seu diagnóstico quanto pelo desconhecimento que havia até então sobre a existência das mesmas. Em 2016, publicou uma revisão completa sobre o diagnóstico e a abordagem das lesões das raízes meniscais na Revista Brasileira de Ortopedia, juntamente com o dr. Robert LaPrade (EUA) e Leonardo Metsavaht (IBTS). Em 2019, foi convidado pelo dr. Rodrigo Góes (Brasil/Portugal) a escrever um capítulo sobre lesões de rampa meniscal (ramp lesion) no livro nacional mais importante sobre lesões meniscais já publicado até o momento e ,em 2020, foi convidado pelo Dr. Bertrand Sonnery-Cottet (FRA) para escrever um artigo de revisão sobre este mesmo tema para a revista Clinics in Sports Medicine, uma das mais conceituadas do mundo.

- Lesão da raiz meniscal

Além de toda sua inserção periférica na cápsula articular e nos platôs tibiais, os meniscos possuem duas raízes mais centrais, que o ancoram na tíbia e são responsáveis pela resistência à força que sofrem no sentido de extrusão (uma força centrífuga que ocorre com o peso do corpo, que levaria os meniscos a uma tendência de se deslocarem para a periferia, caso não existissem as raízes). Estudos biomecânicos já demonstraram que uma lesão de raiz meniscal pode ser equivalente a uma meniscectomia completa, uma vez que sem a ancoragem que promovem junto ao platô tibial, o menisco é deslocado e as forças que atravessam o joelho passam diretamente da cartilagem do fêmur para a cartilagem da tíbia, sobrecarregando-as e levando-as à degeneração, muitas vezes precoce. Portanto, a lesão da raiz meniscal muitas vezes requer o tratamento cirúrgico, que é feito através de suturas transósseas. Estas suturas podem ser realizadas através da inserção de âncoras ou através de túneis transtibiais (que cruzam a tíbia). Um detalhe deste tipo de lesão meniscal é que muitas vezes ocorre mesmo sem a existência de um trauma importante estando frequentemente associado a movimentos de hiperflexão em pacientes na quinta ou sexta décadas de vida, como um agachamento para realização de jardinagem.

- Lesão meniscal em rampa (ramp lesion)

As lesões em rampa são lesões na transição meniscocapsular posterior, onde ocorre uma desinserção da periferia do menisco junto à cápsula articular, podendo gerar tanto dor quanto queixa de instabilidade. Muitas vezes esta lesão pode passar despercebida, mesmo durante a realização de uma artroscopia, por estar em uma área de difícil acesso. Por isso, também é conhecida como “hidden lesion”, ou “lesão escondida”. Para realizar este diagnóstico é necessário um alto índice de suspeição clínica e correlacionar os sintomas do paciente com os exames de imagem e as manobras clínicas. Além disso, é interessante seguir os passos sistemáticos de inventário articular propostos pelo Dr. Bertrand Sonnery-Cottet para que esta lesão não passe despercebida. Uma vez diagnosticada, na maioria das vezes, requer uma abordagem cirúrgica. 

Principais técnicas de sutura

- Sutura meniscal “inside-out”

É considerada a técnica padrão-ouro para a maioria dos tipos de lesões, em especial para aquelas localizadas no corpo e corno posterior dos meniscos. Através desta técnica, agulhas carregadas com fios ultra-resistentes são passadas com o auxílio de cânulas artroscópicas, saindo na região posterior do joelho. Para recuperar as agulhas é necessário um acesso (incisão) cirúrgico na região posteromedial (para o menisco medial) ou posterolateral (para o menisco lateral) do joelho. Após a passagem dos fios e verificação da estabilização da lesão, os fios são amarrados pela parte externa e as incisões são suturadas.

- Sutura meniscal “all-inside”

A vantagem desta técnica é a ausência da necessidade de incisões adicionais no joelho, pois os dispositivos de sutura já vêm com “nós” pré-carregados de fábrica em seus fios, mas não são aplicáveis a todas as situações. Os dispositivos para esta técnica estão em constante evolução para garantir que as suturas realizadas não se rompam.

- Sutura meniscal “outside-in”

É um tipo de sutura meniscal preferencialmente realizada nas lesões mais anteriores dos meniscos. A vantagem desta técnica nestes casos é que várias suturas podem ser realizadas, mesmo sem a utilização de dispositivos complexos e caros, podendo ser adaptada com o uso de agulhas canuladas conhecidas como “jelco”. No entanto, para lesões mais posteriores (maioria), esta técnica torna-se mais difícil, sendo, na maioria destes casos, necessária a utilização de uma das outras técnicas descritas acima.

- Reparo da raiz meniscal

Como mencionado previamente, as raízes meniscais são as regiões onde as extremidades dos meniscos se ancoram de maneira firme na tíbia. Para este reparo, em geral, são realizadas suturas transóesseas. Com a utilização de pinças especiais, os fios são passados pela raiz do menisco e posteriormente transportados através de túneis criados exatamente nos locais anatômicos das raízes na tíbia, saindo na parte da frente deste osso. Após este procedimento, é verificada a estabilidade do reparo e realizada a fixação, em geral, com a utilização de um dispositivo de fixação cortical chamado de “botão” ou button.

Pós-operatório

Em quanto tempo depois de operar, pode-se voltar a praticar atividades físicas?

Esta é a pergunta que muitos pacientes fazem, principalmente depois de verem retornos precoces de atletas, especialmente no futebol brasileiro. A resposta é: depende! Resumidamente, nos casos onde se realiza a meniscectomia parcial, o retorno pode ser tão precoce como 2-3 semanas, a depender do estado da articulação e da musculatura previamente à lesão e do protocolo de reabilitação a que este paciente/atleta é submetido. Já nos casos onde é realizada a sutura, este período pode se estender por até 4 a 5 meses, dependendo do esporte.

Suturar o menisco garante que ele irá cicatrizar e o paciente nunca mais vai ter este problema no joelho?

Médico nenhum pode fazer este tipo de “promessa”. Até mesmo porque existem diversas variáveis que influenciam no sucesso desta cirurgia. Dentre eles, estão a área e tamanho da lesão, se há lesão ligamentar concomitante e qual seu tratamento, a idade do paciente, o eixo mecânico do membro acometido, etc. No entanto, ao se indicar uma sutura, todos estes fatores são pormenorizados, de modo que uma boa indicação aumenta as chances de sucesso. Eventualmente, mesmo quando não há cicatrização completa do menisco, ainda assim, os fios de sutura utilizados podem estabilizar a lesão por períodos indefinidos, mantendo o paciente livre de sintomas.

Mas qual a vantagem em se suturar o menisco se demora mais tempo para recuperar?

Um dos principais argumentos para tentar preservar ao máximo o menisco é o aumento de cargas sofrido em uma articulação após a retirada de tecido meniscal e a relação que existe entre este aumento de cargas e a evolução para artrose. Além disso, como já foi previamente mencionado, os meniscos não atuam “somente” na absorção de impactos no joelho, mas também na lubrificação da articulação, estabilidade e nutrição da cartilagem. Portanto, a perda de quantidades significativas de tecido meniscal pode comprometer não somente a função de amortecedor que o menisco possui, como também todas as demais funções, levando a um maior desequilíbrio articular. Sendo assim, sempre que for possível, deve-se optar pela preservação do tecido meniscal.

Como é o pós-operatório da sutura de menisco?

Novamente a resposta é variável. Em casos de meniscectomia é permitida carga imediata (sem uso de muletas) conforme a tolerância do paciente, uma vez que não há necessidade em se aguardar pela cicatrização do menisco. Já em casos de sutura, geralmente se indica algum tempo de carga protegida (com uso de muletas), sendo que pode ser “carga zero”(sem qualquer apoio do peso do corpo no lado lesionado), carga proprioceptiva (apenas encostando pé no chão, também sem peso) ou carga parcial (permitindo o apoio de parte do peso do corpo). Ainda assim, o tempo de carga protegida pode ser variável. Os protocolos mais comuns recomendam 4-6 semanas de carga protegida.

Dr. Raphael Serra Cruz

  • Cirurgião de Joelho do INTO;

  • Fellowship em Vail, CO, EUA;

  • Mestre pelo INTO/UFRJ;

  • Experiência com lesões esportivas de joelho.

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